Lynn Milou
De Instagrammer perfeita a guardiã do planeta Terra
Há quatro anos, Lynn, uma rapariga urbana de Amesterdão que já morou em Berlim e Nova Iorque, decidiu construir o seu pequeno paraíso em Portugal.
Em A Vida Fausto, transcende ideias modernistas e visões materialistas. Servir o planeta da maneira mais positiva possível. “Quero gozar a vida da forma como ela deve ser.”
"Quero gozar a vida da forma como ela deve ser."
"Mas o que é verdadeiramente o luxo? Para mim, é liberdade e felicidade."
"(...) seguimos os ciclos e movimentos naturais, em vez dos nossos calendários."
"Quero que o mundo saia deste caos e encontre a confiança para fazer as coisas de forma diferente."
Como surgiu a ideia para A Vida Fausto? “Em português, A Vida Fausto traduz-se numa vida grande ou luxuosa. Mas o que é verdadeiramente o luxo? Para mim, é liberdade e felicidade. A partir daí, tive a ideia de construir um lugar para demonstrar como poderia funcionar e crescer uma economia circular.”
O que acontece neste lugar? Como consegue demonstrar a circularidade? “Durante o primeiro verão, dei aqui todo o tipo de cursos. Permacultura, construção natural, macramé. Considerei isso um teste, e depois enfrentaria temas maiores. Mas depois veio o incêndio mais destructivo alguma vez visto na região, e deu cabo de tudo. As pessoas que vieram aprender e participar já não podiam voltar porque não havia alojamento. Agora estamos a reconstruir tudo: uma cabana para dormir, uma casa minúscula em madeira, uma cozinha comunitária. Há imensas árvores mortas que podemos usar para construir de tudo.”
Para além do seu grande plano, também faz parte dos Wildlings. Pode fazer o retrato desse projecto?
“Wildlings é uma colectiva de amigos com valores iguais. Todos temos os nossos planos individuais, mas colaboramos em projectos ambientais mais abrangentes para reavivar esta terra. Já comprámos um vale com 5 hectares próximo daqui. Existe uma ruína na propriedade que podemos converter num espaço para alojamento e queremos instalar uma quinta experimental, um centro educativo, um parque infantil com tecnologia limpa e um laboratório alimentar. Estamos totalmente focados em turismo EPIC. Ao contrário do ecoturismo, EPIC – que significa Educação, Participação, Inspiração e Criação – é um turismo onde as próprias visitas é que dão significado à sua estadia. Seja a criar novos conceitos, a participar em projetos de reflorestação e dias de colheita, ou simplesmente a deixarem-se inspirar por um modo de vida diferente e em maior harmonia com a natureza. Portanto, aqui não servimos cocktails na cama de rede, mas oferecemos uma jornada com muito mais significado. As nossas publicações Wildlings têm gerado imensa procura. Nem conseguimos dar resposta à quantidade de e-mails! Porém, antes de podermos receber pessoas, temos de concluir alguns projetos. Espero poder dizer “sim” brevemente a todos os interessados.”
As pessoas sabem o que as espera quando aqui chegam? “Reparo que muitos dos meus mais antigos amigos, que vivem na cidade, estão sempre a precisar de paz e natureza. Por causa disso, criam uma imagem romantizada de como é estar aqui, e trazem consigo mil perguntas. Sobretudo no início. As pessoas passam por este lugar sem saber que esta vida é dura. Porque não, não passo o dia a abraçar porcos. Estou constantemente a escavar canais, a eliminar ervas daninhas e a arrancar eucaliptos do solo.”
Acha que a vida acontece devagar? “Por acaso acho o termo devagar bastante bizarro. Tudo aqui acontece muito depressa. A única diferença é que seguimos os ciclos e movimentos naturais, em vez dos nossos calendários. O que me parece sempre interessante é que, na evolução das pessoas, abordamos tudo com um sistema de crescimento linear: mais, mais, mais. Isso não é natural: na natureza tudo acontece em círculos. Quando percebi isso, muita coisa passou a fazer sentido. Prefiro substituir a palavra ‘devagar’ por ‘presente’, porque na minha vida aqui, presto muito mais atenção. Passo imenso tempo a cozinhar porque acho que é extremamente importante, por exemplo.”
Portanto quer uma vida consciente, circular. Isso também significa que é auto-ssuficiente? “Não, por causa dos incêndios ainda não cheguei a esse ponto. Não tenho tempo para cultivar tudo, mas acima de tudo, quero mesmo cultivar na floresta. Leva alguns anos até conseguir produzir alimentos suficientes com recursos próprios. Contudo, na nossa comunidade (acidental) de cerca de 100 residentes ecologicamente conscientes nestes vales, conseguimos tornar-nos numa comunidade autónoma. Temos muitas das qualificações e personalidades necessárias para providenciar, por exemplo, alimentos, construção ecológica, saúde e medicamentos.”
Parece diferente de uma vida urbana. Como era a sua vida antes? “Quando ainda morava em Amesterdão, era a imagem perfeita do Instagram. Ia a todos os festivais de graça, tinha montes de amigos, uma casa bonita. Durante o tempo que morei em Nova Iorque e Berlim, desenvolvi uma visão mais crítica. Foi aí que me apercebi que o capitalismo não quer o melhor para nós. Lembro-me de uma noite em que estava em Albert Heijn e vi um logotipo “pure and honest” (puro e honesto), totalmente descabido naquele lugar. Fiquei furiosa e foi o empurrão final para mudar a minha vida de forma drástica. Comecei com as coisas básicas: alimentação, casa, energia. Mas à medida que o tempo passava, os meus planos tornavam-se mais ambiciosos e foi crescendo a partir daí. E com esses planos, tinha que mudar-me para um país onde alguém que não é agricultor consegue sobreviver num clima que dá toda a nutrição de que precisamos. Esse país era Portugal. De uma maneira ou de outra, tudo acelerou. Foi o início de uma grande aventura.”
Que conhecimentos da sua vida passada trouxe para Portugal? “Sei fazer um bocadinho de tudo, é aí que reside a minha força. Não existem muitas pessoas com o meu histórico, por isso estou sempre ocupada. Felizmente, nos meus dez anos de vida na cidade, aprendi coisas que posso aproveitar agora. A única diferença é que o cliente ou tema é muito diferente. Em Amesterdão trabalhei na Halal, uma conhecida produtora de filmes e publicidade. Primeiro como gestora de projetos, e mais tarde, como gestora ecológica, pois moralmente senti que a indústria publicitária não estava bem. É angustiante ver que podiam alimentar-se países inteiros com os orçamentos atribuídos a um filme idiota de 40 segundos.”
Como podemos tornar o mundo num lugar melhor? “Eu acredito no poder do povo, em criar qualquer coisa diferente em conjunto, seja na cidade ou no topo da montanha. Só temos de perceber que o sistema actual não está a beneficiar as pessoas nem o planeta, e mudar em conformidade.”
Porque deseja tanto esta vida? “Apesar de fazer parte da imagem perfeita em Amesterdão, eu estava deprimida e sentia um grande vazio. Por causa disso, comecei a aprofundar-me espiritualmente e, de repente, a realidade atingiu-me. Apercebi-me que fazia parte de algo que não apoiava. Todos ficamos dependentes de empresas que não agem no nosso interesse, nem no interesse do nosso planeta. Somos envenenados pela ideia de que o consumo excessivo e a acumulação de riqueza são os maiores objectivos possíveis. Quero que o mundo saia deste caos e encontre a confiança para fazer as coisas de forma diferente. Conheço milhões de pessoas que estão a fazer o mesmo pelo mundo fora.”
Tem menos stress agora do que quando vivia na cidade? “O primeiro ano foi especialmente mágico, mas os últimos dois anos foram bastante stressantes e difíceis. Não tem havido muito apoio do governo para reconstruirmos as nossas vidas depois dos incêndios terem levado as nossas casas, quintas e o nosso sustento. Além disso, tal como na cidade, aqui também estou ocupada com projectos e com pessoas a ir e a vir. Agora a diferença é que eu decido como vivo a minha vida, o que me obriga a enfrentar-me de forma muito mais consciente. Eu monitorizo a minha energia e sinto-me mais equilibrada, algo que não conseguia fazer quando morava na cidade. Agora, o stress parece mais um desafio interessante e que está dentro do meu controlo. Mas devo dizer que, quando o incêndio assolou as bases da minha vida, foi o maior desafio até agora, de não me deixar desistir. Porém, isso não implica que não sinta ondas de profunda raiva e tristeza contra as potências, sobre a desigualdade, o sofrimento dos animais, a exploração e o abuso. Felizmente, agora estou melhor equipada para transmutar conscientemente essas energias para fora do meu sistema.”
Como é o seu dia? “As pessoas perguntam-me isso com frequência, mas não existe um dia típico. Tudo acontece em função das estações. Agora está a chover e o meu plano normal de trabalhar no exterior não vai acontecer. Por isso estou a organizar todos os assuntos online. Podem parecer apenas pequenos ajustes, mas não diria que isto é uma vida pacata. Das 8h00 às 18h00 trabalho lá fora, depois seguem-se outras tarefas: pedidos de subsídios, respostas a perguntas de jornalistas, manutenção do site, responder a emails. Mais, por causa da forma como as coisas acontecem nas zonas rurais de Portugal, só podemos planear com uma semana de antecedência. Gosto muito disso, mas é extremamente difícil para os outros países. É totalmente o oposto da cultura em Amesterdão.”
Tomou a decisão de viver esta vida. Haverá certamente pessoas que leem isto e querem o mesmo, mas não sabem onde começar. Como podem passar à acção? “Esta vida não é para todos. Isto só pode ser para quem sentir verdadeiramente um “sim” urgente no seu coração, e não na sua cabeça. Claro que é um desafio enorme porque muitas pessoas acreditam que não conseguem fazer esta mudança. Esses pensamentos do tipo ‘não sou capaz’ desculpam o nosso ego, travam-nos. Mas é interessante investigar o que está por detrás do ‘não sou capaz’. Qual é o seu medo? Se agarrar nesse medo e deitá-lo fora, pode conseguir o que quiser. Eu também me lembro dos meus medos, mas sei que são uma ilusão. Opto por confiar na minha mente.”
Parece uma pessoa muito decidida. Qual o seu primeiro grande plano para já? “Em conjunto com a comunidade local, vamos plantar 10.000 árvores em 10 dias. Parece muito, mas moram 100 pessoas neste vale. Muitas dedicam-se à restauração do ecossistema. É de tal maneira importante, que estão a ser reintroduzidas paisagens nativas. Todos podem fazê-lo no seu quintal. Desta forma, não só estamos a criar um mosaico lindo de paisagens selvagens, mas estamos também a reduzir o nível de carbono na atmosfera, a aumentar a biodiversidade, a restaurar o ciclo natural da água e a criar um habitat para todo o tipo de espécies que desempenham um papel igualmente importante na manutenção de um ecossistema saudável e equilibrado. É extremamente poderoso compreender que podemos todos contribuir para a restauração do ecossistema nos nossos próprios quintais. Colectivamente, podemos fazer uma diferença enorme sem a necessidade de regulamentação por parte das autoridades ou interferência do governo. Individualmente, todos temos o poder para inverter os danos causados, através das nossas escolhas e acções.”
Vamos então dar um passo mais à frente: Qual a sua visão de um mundo ideal? “O meu mundo ideal não tem violência, é colaborativo e regenerativo. A espécie humana tem se aproximado de um mundo que é altamente destrutivo e justificamos acções como o abuso, a exploração e a crueldade contra a nossa e outras espécies, seja a nível físico ou emocional. Nós somos a espécie dominante no planeta e gosto de ver que nos estamos a afastar do comportamento destrutivo que está enraizado na ganância, na separação, desigualdade e controlo, e a aproximarmo-nos de um comportamento onde somos os guardiães que respeitam, protegem e honram toda a vida. A natureza é um ser muito mais poderoso do que nós e o nosso planeta continuará a girar sem nós. A continuação da nossa espécie só depende de nós.”
Há quatro anos, Lynn, uma rapariga urbana de Amesterdão que já morou em Berlim e Nova Iorque, decidiu construir o seu pequeno paraíso em Portugal.
Em A Vida Fausto, transcende ideias modernistas e visões materialistas. Servir o planeta da maneira mais positiva possível. “Quero gozar a vida da forma como ela deve ser.”
"Quero gozar a vida da forma como ela deve ser."
"Mas o que é verdadeiramente o luxo? Para mim, é liberdade e felicidade."
"(...) seguimos os ciclos e movimentos naturais, em vez dos nossos calendários."
"Quero que o mundo saia deste caos e encontre a confiança para fazer as coisas de forma diferente."
Como surgiu a ideia para A Vida Fausto? “Em português, A Vida Fausto traduz-se numa vida grande ou luxuosa. Mas o que é verdadeiramente o luxo? Para mim, é liberdade e felicidade. A partir daí, tive a ideia de construir um lugar para demonstrar como poderia funcionar e crescer uma economia circular.”
O que acontece neste lugar? Como consegue demonstrar a circularidade? “Durante o primeiro verão, dei aqui todo o tipo de cursos. Permacultura, construção natural, macramé. Considerei isso um teste, e depois enfrentaria temas maiores. Mas depois veio o incêndio mais destructivo alguma vez visto na região, e deu cabo de tudo. As pessoas que vieram aprender e participar já não podiam voltar porque não havia alojamento. Agora estamos a reconstruir tudo: uma cabana para dormir, uma casa minúscula em madeira, uma cozinha comunitária. Há imensas árvores mortas que podemos usar para construir de tudo.”
Para além do seu grande plano, também faz parte dos Wildlings. Pode fazer o retrato desse projecto?
“Wildlings é uma colectiva de amigos com valores iguais. Todos temos os nossos planos individuais, mas colaboramos em projectos ambientais mais abrangentes para reavivar esta terra. Já comprámos um vale com 5 hectares próximo daqui. Existe uma ruína na propriedade que podemos converter num espaço para alojamento e queremos instalar uma quinta experimental, um centro educativo, um parque infantil com tecnologia limpa e um laboratório alimentar. Estamos totalmente focados em turismo EPIC. Ao contrário do ecoturismo, EPIC – que significa Educação, Participação, Inspiração e Criação – é um turismo onde as próprias visitas é que dão significado à sua estadia. Seja a criar novos conceitos, a participar em projetos de reflorestação e dias de colheita, ou simplesmente a deixarem-se inspirar por um modo de vida diferente e em maior harmonia com a natureza. Portanto, aqui não servimos cocktails na cama de rede, mas oferecemos uma jornada com muito mais significado. As nossas publicações Wildlings têm gerado imensa procura. Nem conseguimos dar resposta à quantidade de e-mails! Porém, antes de podermos receber pessoas, temos de concluir alguns projetos. Espero poder dizer “sim” brevemente a todos os interessados.”
As pessoas sabem o que as espera quando aqui chegam? “Reparo que muitos dos meus mais antigos amigos, que vivem na cidade, estão sempre a precisar de paz e natureza. Por causa disso, criam uma imagem romantizada de como é estar aqui, e trazem consigo mil perguntas. Sobretudo no início. As pessoas passam por este lugar sem saber que esta vida é dura. Porque não, não passo o dia a abraçar porcos. Estou constantemente a escavar canais, a eliminar ervas daninhas e a arrancar eucaliptos do solo.”
Acha que a vida acontece devagar? “Por acaso acho o termo devagar bastante bizarro. Tudo aqui acontece muito depressa. A única diferença é que seguimos os ciclos e movimentos naturais, em vez dos nossos calendários. O que me parece sempre interessante é que, na evolução das pessoas, abordamos tudo com um sistema de crescimento linear: mais, mais, mais. Isso não é natural: na natureza tudo acontece em círculos. Quando percebi isso, muita coisa passou a fazer sentido. Prefiro substituir a palavra ‘devagar’ por ‘presente’, porque na minha vida aqui, presto muito mais atenção. Passo imenso tempo a cozinhar porque acho que é extremamente importante, por exemplo.”
Portanto quer uma vida consciente, circular. Isso também significa que é auto-ssuficiente? “Não, por causa dos incêndios ainda não cheguei a esse ponto. Não tenho tempo para cultivar tudo, mas acima de tudo, quero mesmo cultivar na floresta. Leva alguns anos até conseguir produzir alimentos suficientes com recursos próprios. Contudo, na nossa comunidade (acidental) de cerca de 100 residentes ecologicamente conscientes nestes vales, conseguimos tornar-nos numa comunidade autónoma. Temos muitas das qualificações e personalidades necessárias para providenciar, por exemplo, alimentos, construção ecológica, saúde e medicamentos.”
Parece diferente de uma vida urbana. Como era a sua vida antes? “Quando ainda morava em Amesterdão, era a imagem perfeita do Instagram. Ia a todos os festivais de graça, tinha montes de amigos, uma casa bonita. Durante o tempo que morei em Nova Iorque e Berlim, desenvolvi uma visão mais crítica. Foi aí que me apercebi que o capitalismo não quer o melhor para nós. Lembro-me de uma noite em que estava em Albert Heijn e vi um logotipo “pure and honest” (puro e honesto), totalmente descabido naquele lugar. Fiquei furiosa e foi o empurrão final para mudar a minha vida de forma drástica. Comecei com as coisas básicas: alimentação, casa, energia. Mas à medida que o tempo passava, os meus planos tornavam-se mais ambiciosos e foi crescendo a partir daí. E com esses planos, tinha que mudar-me para um país onde alguém que não é agricultor consegue sobreviver num clima que dá toda a nutrição de que precisamos. Esse país era Portugal. De uma maneira ou de outra, tudo acelerou. Foi o início de uma grande aventura.”
Que conhecimentos da sua vida passada trouxe para Portugal? “Sei fazer um bocadinho de tudo, é aí que reside a minha força. Não existem muitas pessoas com o meu histórico, por isso estou sempre ocupada. Felizmente, nos meus dez anos de vida na cidade, aprendi coisas que posso aproveitar agora. A única diferença é que o cliente ou tema é muito diferente. Em Amesterdão trabalhei na Halal, uma conhecida produtora de filmes e publicidade. Primeiro como gestora de projetos, e mais tarde, como gestora ecológica, pois moralmente senti que a indústria publicitária não estava bem. É angustiante ver que podiam alimentar-se países inteiros com os orçamentos atribuídos a um filme idiota de 40 segundos.”
Como podemos tornar o mundo num lugar melhor? “Eu acredito no poder do povo, em criar qualquer coisa diferente em conjunto, seja na cidade ou no topo da montanha. Só temos de perceber que o sistema actual não está a beneficiar as pessoas nem o planeta, e mudar em conformidade.”
Porque deseja tanto esta vida? “Apesar de fazer parte da imagem perfeita em Amesterdão, eu estava deprimida e sentia um grande vazio. Por causa disso, comecei a aprofundar-me espiritualmente e, de repente, a realidade atingiu-me. Apercebi-me que fazia parte de algo que não apoiava. Todos ficamos dependentes de empresas que não agem no nosso interesse, nem no interesse do nosso planeta. Somos envenenados pela ideia de que o consumo excessivo e a acumulação de riqueza são os maiores objectivos possíveis. Quero que o mundo saia deste caos e encontre a confiança para fazer as coisas de forma diferente. Conheço milhões de pessoas que estão a fazer o mesmo pelo mundo fora.”
Tem menos stress agora do que quando vivia na cidade? “O primeiro ano foi especialmente mágico, mas os últimos dois anos foram bastante stressantes e difíceis. Não tem havido muito apoio do governo para reconstruirmos as nossas vidas depois dos incêndios terem levado as nossas casas, quintas e o nosso sustento. Além disso, tal como na cidade, aqui também estou ocupada com projectos e com pessoas a ir e a vir. Agora a diferença é que eu decido como vivo a minha vida, o que me obriga a enfrentar-me de forma muito mais consciente. Eu monitorizo a minha energia e sinto-me mais equilibrada, algo que não conseguia fazer quando morava na cidade. Agora, o stress parece mais um desafio interessante e que está dentro do meu controlo. Mas devo dizer que, quando o incêndio assolou as bases da minha vida, foi o maior desafio até agora, de não me deixar desistir. Porém, isso não implica que não sinta ondas de profunda raiva e tristeza contra as potências, sobre a desigualdade, o sofrimento dos animais, a exploração e o abuso. Felizmente, agora estou melhor equipada para transmutar conscientemente essas energias para fora do meu sistema.”
Como é o seu dia? “As pessoas perguntam-me isso com frequência, mas não existe um dia típico. Tudo acontece em função das estações. Agora está a chover e o meu plano normal de trabalhar no exterior não vai acontecer. Por isso estou a organizar todos os assuntos online. Podem parecer apenas pequenos ajustes, mas não diria que isto é uma vida pacata. Das 8h00 às 18h00 trabalho lá fora, depois seguem-se outras tarefas: pedidos de subsídios, respostas a perguntas de jornalistas, manutenção do site, responder a emails. Mais, por causa da forma como as coisas acontecem nas zonas rurais de Portugal, só podemos planear com uma semana de antecedência. Gosto muito disso, mas é extremamente difícil para os outros países. É totalmente o oposto da cultura em Amesterdão.”
Tomou a decisão de viver esta vida. Haverá certamente pessoas que leem isto e querem o mesmo, mas não sabem onde começar. Como podem passar à acção? “Esta vida não é para todos. Isto só pode ser para quem sentir verdadeiramente um “sim” urgente no seu coração, e não na sua cabeça. Claro que é um desafio enorme porque muitas pessoas acreditam que não conseguem fazer esta mudança. Esses pensamentos do tipo ‘não sou capaz’ desculpam o nosso ego, travam-nos. Mas é interessante investigar o que está por detrás do ‘não sou capaz’. Qual é o seu medo? Se agarrar nesse medo e deitá-lo fora, pode conseguir o que quiser. Eu também me lembro dos meus medos, mas sei que são uma ilusão. Opto por confiar na minha mente.”
Parece uma pessoa muito decidida. Qual o seu primeiro grande plano para já? “Em conjunto com a comunidade local, vamos plantar 10.000 árvores em 10 dias. Parece muito, mas moram 100 pessoas neste vale. Muitas dedicam-se à restauração do ecossistema. É de tal maneira importante, que estão a ser reintroduzidas paisagens nativas. Todos podem fazê-lo no seu quintal. Desta forma, não só estamos a criar um mosaico lindo de paisagens selvagens, mas estamos também a reduzir o nível de carbono na atmosfera, a aumentar a biodiversidade, a restaurar o ciclo natural da água e a criar um habitat para todo o tipo de espécies que desempenham um papel igualmente importante na manutenção de um ecossistema saudável e equilibrado. É extremamente poderoso compreender que podemos todos contribuir para a restauração do ecossistema nos nossos próprios quintais. Colectivamente, podemos fazer uma diferença enorme sem a necessidade de regulamentação por parte das autoridades ou interferência do governo. Individualmente, todos temos o poder para inverter os danos causados, através das nossas escolhas e acções.”
Vamos então dar um passo mais à frente: Qual a sua visão de um mundo ideal? “O meu mundo ideal não tem violência, é colaborativo e regenerativo. A espécie humana tem se aproximado de um mundo que é altamente destrutivo e justificamos acções como o abuso, a exploração e a crueldade contra a nossa e outras espécies, seja a nível físico ou emocional. Nós somos a espécie dominante no planeta e gosto de ver que nos estamos a afastar do comportamento destrutivo que está enraizado na ganância, na separação, desigualdade e controlo, e a aproximarmo-nos de um comportamento onde somos os guardiães que respeitam, protegem e honram toda a vida. A natureza é um ser muito mais poderoso do que nós e o nosso planeta continuará a girar sem nós. A continuação da nossa espécie só depende de nós.”
Lynn Milou
De Instagrammer perfeita a guardiã do planeta Terra
Há quatro anos, Lynn, uma rapariga urbana de Amesterdão que já morou em Berlim e Nova Iorque, decidiu construir o seu pequeno paraíso em Portugal.
Em A Vida Fausto, transcende ideias modernistas e visões materialistas. Servir o planeta da maneira mais positiva possível. “Quero gozar a vida da forma como ela deve ser.”
"Quero gozar a vida da forma como ela deve ser."
"Mas o que é verdadeiramente o luxo? Para mim, é liberdade e felicidade."
"(...) seguimos os ciclos e movimentos naturais, em vez dos nossos calendários."
"Quero que o mundo saia deste caos e encontre a confiança para fazer as coisas de forma diferente."
Como surgiu a ideia para A Vida Fausto? “Em português, A Vida Fausto traduz-se numa vida grande ou luxuosa. Mas o que é verdadeiramente o luxo? Para mim, é liberdade e felicidade. A partir daí, tive a ideia de construir um lugar para demonstrar como poderia funcionar e crescer uma economia circular.”
O que acontece neste lugar? Como consegue demonstrar a circularidade? “Durante o primeiro verão, dei aqui todo o tipo de cursos. Permacultura, construção natural, macramé. Considerei isso um teste, e depois enfrentaria temas maiores. Mas depois veio o incêndio mais destructivo alguma vez visto na região, e deu cabo de tudo. As pessoas que vieram aprender e participar já não podiam voltar porque não havia alojamento. Agora estamos a reconstruir tudo: uma cabana para dormir, uma casa minúscula em madeira, uma cozinha comunitária. Há imensas árvores mortas que podemos usar para construir de tudo.”
Para além do seu grande plano, também faz parte dos Wildlings. Pode fazer o retrato desse projecto?
“Wildlings é uma colectiva de amigos com valores iguais. Todos temos os nossos planos individuais, mas colaboramos em projectos ambientais mais abrangentes para reavivar esta terra. Já comprámos um vale com 5 hectares próximo daqui. Existe uma ruína na propriedade que podemos converter num espaço para alojamento e queremos instalar uma quinta experimental, um centro educativo, um parque infantil com tecnologia limpa e um laboratório alimentar. Estamos totalmente focados em turismo EPIC. Ao contrário do ecoturismo, EPIC – que significa Educação, Participação, Inspiração e Criação – é um turismo onde as próprias visitas é que dão significado à sua estadia. Seja a criar novos conceitos, a participar em projetos de reflorestação e dias de colheita, ou simplesmente a deixarem-se inspirar por um modo de vida diferente e em maior harmonia com a natureza. Portanto, aqui não servimos cocktails na cama de rede, mas oferecemos uma jornada com muito mais significado. As nossas publicações Wildlings têm gerado imensa procura. Nem conseguimos dar resposta à quantidade de e-mails! Porém, antes de podermos receber pessoas, temos de concluir alguns projetos. Espero poder dizer “sim” brevemente a todos os interessados.”