Carl Honoré

Na pressa, nasce o vagar

Carl Honoré é canadiano, mas nasceu na verde Escócia e vive na cidade frenética de Londres. É jornalista, escritor e já escreveu vários bestsellers que lhe valeram o reconhecimento que hoje tem um pouco por todo o mundo. In Praise of Slow é uma das suas maiores obras, um livro que nos introduz o tema do qual se tornou mestre – Slow Movement.

Pode-se dizer que a vida de Carl tem – ou tinha – tudo menos sossego. Além de viajar por todo o mundo em trabalho, quando volta a casa, regressa a uma cidade que não pára. A rotina apressada fê-lo questionar o ritmo da sua vida. E foi quando começou a ler histórias de adormecer ao filho a correr – sem conseguir estar presente naquele momento -, que se deu o click para abrandar. «Contava “A Branca de Neve e os Sete Anões” à pressa: em vez de serem sete anões, eram três. Lembro-me de ter ouvido falar de um livro chamado “Histórias para adormecer em um minuto” e de pensar que era uma ótima ideia. Depois percebi que era de loucos, que estava a correr pela vida fora em vez de a viver».

Nessa altura a inquietação pela adição à velocidade – a sua e a de todos à nossa volta – levaram-no numa viagem de investigação pelo mundo. No regresso trouxe a conclusão de que a velocidade somos nós que a definimos e que se calhar não estamos a conseguir acertar o compasso. A sua missão de ajudar os outros – e a si próprio – a viver mais devagar começou aqui. Desde então tem se tornado numa espécie de “embaixador” do slow movement- as suas palestras no TED Talks contam com mais de com mais de 2.8 milhões de visualizações – e, por isso, foi um dos nossos convidados na apresentação do estudo feito pela Universidade Católica Portuguesa sobre a adopção e o impacto do slow living em Portugal – um evento que marcou o início da campanha Mais.Devagar. A mensagem de Carl continuará a ser ouvida e partilhada dentro desta campanha, pela sua experiência e, principalmente, pela sua importância.

Fotografia de capa por Madeleine Alldis

  • "As pessoas mantêm-se ocupadas para evitar as questões mais profundas."
  • "Esta ideia de que tudo tem de ser rápido é absurda e tóxica."
  • "O cérebro não pode estar três horas consecutivas a trabalhar da mesma forma."
  • "Estamos a esgotar os recursos do planeta ao consumirmos mais do que precisamos e, na maioria das vezes, compramos por impulso. Parar permite-nos resistir à chamada do "turbo-consumismo" e ter maior sensibilidade na hora de decidir o que comprar."
  • "Quem desacelera também aumenta a sua produtividade: comete menos erros no trabalho, é mais criativo, consegue ver melhor a realidade, ganha perspectiva."

Carl Honoré é a voz mundial do movimento Slow. Segundo o Financial Times, o seu primeiro livro, In Praise of Slow (2004), é “para o Movimento Slow o que Das Kapital é para o comunismo”. Falámos com ele para descobrir porque é tão importante viver devagar nestes tempos estrondosos e cheios de desafios modernos.

Já passaram 14 anos desde a sua TED Talk sobre a importância de abrandar, com cerca de 3 milhões de visualizações. Olhando para as pessoas hoje, acha que a tendência de ‘abrandar’ está a ocorrer suficientemente depressa? Gostaria que fosse mais rápido. É impressionante a rapidez com que o movimento slow está a crescer mas, ao mesmo tempo, existem enormes ameaças ao nosso bem-estar e ao bem-estar do planeta. Caminhamos para uma crise existencial onde o turbo-capitalismo e consumismo reinam acima de tudo. É por isso que acredito que temos de avançar rapidamente para uma revolução slow; abrandar vai ser fundamental para resolver a crise épica em que nos encontramos.

Que mais podemos fazer para resolver esta crise? Temos de repensar completamente aquilo que consideramos importante, aquilo que estimamos e aquilo que queremos defender. Tudo precisa urgentemente de ser reinventado, desde a democracia ao sistema económico. Uma solução slow não precisa de levar muito tempo, pode acontecer depressa se juntarmos os nossos esforços. O relógio não pára. Não há tempo a perder.

Então porque corre mal tão frequentemente? Porque tratamos os sintomas em vez de tratar as causas. Slow forward implica uma mudança de enfoque para combater as principais causas dos nossos problemas em vez de simplesmente reagir. A única forma de encontrar soluções para salvar o mundo é abrandar, ouvir e reflectir – e depois agir depressa.

Acha que a actual tendência de mindfulness cria mais consciência, particularmente nas cidades onde tudo acontece demasiado depressa? Seguramente. E precisamos disso agora mais do que nunca porque estamos a esbarrar contra os limites daquilo que o corpo, mente e espírito humanos aguentam. A tendência mindfulness é apenas a ponta do iceberg. As pessoas optam cada vez mais por uma alimentação biológica, existe um renascimento de produção artesanal e manual. Voltou-se a ler livros. No Reino Unido, as vendas de poesia – a forma mais lenta da literatura – dispararam recentemente, e isso deve-se sobretudo à vontade da ‘geração millennial’ de ter uma experiência mais lenta. Para dizer a verdade, não acredito que isto esteja a acontecer apenas nas cidades. Todos têm uma necessidade básica de abrandar às vezes, tanto quem vive em Londres como quem vive no deserto do Sahara.

Acha que precisamos do yoga, meditação ou outro tipo de práticas para abrandar? Slow é uma mentalidade, como um chip que se insere no cérebro. Podemos ser Slow em qualquer lugar. Por exemplo, apesar de morar em Londres, nunca me sinto assoberbado porque encaro cada momento com um espírito Slow. Eu escolho a minha velocidade, e tento sempre fazer as coisas o melhor, e não o mais rapidamente, possível. Se as pessoas fazem tudo mais depressa, não é a introduzir uma hora de yoga nas suas vidas que vai resolver o problema. Temos de assumir uma vida slow com S grande. Para encontrar o equilíbrio, tudo tem de se tornar um pouco mais consciente, não apenas nos minutos em que meditamos. E sim, por vezes a vida tem de avançar mais depressa, mas isso não implica torná-la numa corrida louca para a recta final. Podemos agir depressa mantendo a concentração, calmamente e devagar por dentro.

Afirma que quando agimos devagar, tudo melhora: a comida, o desporto, até o sexo. O que tem a dizer sobre o sexo slow? Que é maravilhoso! Quando duas pessoas levam tempo para estar plenamente juntas, para desligar os telefones e entrar numa união profunda de corpo, mente e espírito – é aí que o sexo se torna incrível. Trata-se de dar às coisas o tempo e atenção que merecem. Não estamos a desempenhar multitarefas, estamos a desempenhar uma monotarefa – dedicando todo o nosso enfoque e amor. Trata-se de estar presente e encarar cada momento com se fosse sagrado. Não pretendo parecer um hippie moderno, mas trata-se simplesmente de aproveitar cada experiência ao máximo.

Slow implica viver a vida em vez de a acelerar. Como consegue reduzir o supérfluo na sua vida? Há muito passos pequenos que podemos tomar de imediato. A palavra chave nessa frase é ‘pequenos’. Não é possível transformarmo-nos instantaneamente de papa-léguas em Dalai Lama. Isso seria muito repentino. Tem que se dar pequenos passos, por exemplo, ‘um dia vou desligar o meu telefone uma hora de manhã e uma hora à noite’. Tente projetos-piloto pessoais para descobrir aquilo que funciona melhor para si. Experimente rituais slow como cozinhar, ler poesia, ou seja o que for que o obrigue a abrandar. No final da semana, veja o que resultou melhor para si. Uma vez que experimentamos um bocadinho de slow, já não voltamos atrás. Vai notar a diferença imediatamente. Dando um passo, a seguir dá-se outro, e por aí fora. Vá devagar.

Assusta-o aquilo que está atualmente a acontecer no mundo? Vivemos numa cultura de velocidade cada vez mais acelerada. Isso é perigoso. Por outro lado, sinto que estamos a caminhar para um ponto de ruptura. O sistema em que vivemos actualmente não é sustentável. Compreendo que não é fácil alterar os nossos sistemas, mas não temos alternativa – a revolução slow tem de acontecer. Acho que estamos a atingir um ponto em que as coisas vão mudar muito depressa, caso contrário, estamos condenados.

O que precisa de acontecer para mudar a mentalidade fast? Vivemos numa cultura de ‘não quero pensar nisso’. Portanto, precisamos de um choque cultural, um choque grande que nos faça reagir e dizer ‘estamos à beira do precipício, temos de mudar de direcção já’. Os incêndios na Amazónia ainda estão muito longe para os sentirmos. Precisamos de um evento mais próximo, mais tangível. Talvez o Brexit inflija um choque suficiente para nos acordar. Talvez seja esse o gatilho para impelir o sistema financeiro, que neste momento arrisca o colapso e uma nova crise mundial. Isso causaria muita dor, que ninguém quer, mas pode também incitar-nos a efectuar as mudanças reais e significativas de que o mundo tanto precisa.

Qual o maior inimigo de uma vida slow? O maior obstáculo é o medo. Medo que os outros nos julguem. Medo de perder alguma coisa. Medo de ficar para trás. Existe aqui um ponto maior, metafísico. A velocidade é uma forma de evitar as questões profundas: Quem sou? Porque estou aqui? Como posso tornar o mundo melhor? Muitas vezes, é por isso que as pessoas se mantêm ocupadas. Durante aqueles 30 minutos de tempo livre no autocarro, pegamos no telefone em vez de enfrentarmos os nossos pensamentos mais profundos. Devíamos estar conscientes que a maioria dos medos são falsos, ou seja, quando os confrontamos, realizamos que não há razão para ter medo. A vida passa-nos ao lado quando vamos demasiado depressa. Se estamos preocupados e receosos de que os outros nos vão julgar por abrandarmos, estamos enganados. As pessoas vão ter inveja porque seremos mais felizes, saudáveis e produtivos. Tudo fica melhor, porque o medo tira-nos a capacidade de ser lógicos e ver o quadro completo. Leva-nos a tomar as decisões erradas. É muito raro as pessoas abrandarem, concluírem que ‘isto é mau’ e regressarem às suas vidas rápidas.

Gosta de alguma coisa fast? A excitação de um bom prazo e, claro, os desportos rápidos. Também gosto de uma ligação rápida à internet.

Algumas pessoas estão superatentas a tudo, mas mesmo assim gostam de fazer as coisas depressa. São um produto desta era ou faz parte da sua personalidade? Deve ser um pouco de ambos. Marinamos todos na mesma cultura. Não se esqueça que a tecnologia está desenhada para nos fazer querer tudo cada vez mais depressa, por isso não podemos culpabilizar as pessoas por acelerarem. Mas somos todos diferentes. Cada um tem o seu próprio metrónomo natural interno. E isso significa que alguns são mais susceptíveis a sofrer de ‘velocidadismo’ do que outros. Felizmente, reparo que as novas gerações estão mais interessadas em viver vidas equilibradas, salvar o planeta, ajudar, construir relações fortes e questionar o sistema socioeconómico. Isto torna-me optimista sobre o futuro.

Acha que a vida fast é uma doença de uma sociedade ocidental privilegiada? Penso que se tornou global. Viver depressa foi colocado num pedestal em todo o mundo e todos sentimos a pressão de conformar, de acompanhar. Mas este paradigma está desgastado e as pessoas começam a rejeitá-lo, no ocidente e além. Quando os ocidentais privilegiados viajam até países mais slow, não temos pena das pessoas que aí vivem, temos inveja! E aí questionamos ‘qual o aspecto que queremos para o mundo moderno?’ Aí torna-se mais fácil identificar o slow positivo e o fast positivo, o slow negativo e o fast negativo, e livrar-nos daquilo que não serve. Claro que cada país é diferente e terá que encontrar a sua própria versão Slow.

Já deu muitas entrevistas. Existe alguma coisa que nunca lhe perguntaram, mas que gostaria de partilhar? Gostava de falar sobre o envelhecimento e como o encaramos. Com uma esperança de vida maior, há menos pressa. Não precisamos de desenhar uma vida perfeita e atingir todos os nossos objectivos até aos 30 anos. Nunca é tarde para ter um sonho novo. Claro que a fertilidade feminina tem um prazo mas, mesmo assim, não estamos a construir famílias mais tarde. Temos de repensar a cultura do local de trabalho para tornar a maternidade numa experiência muito diferente do que é actualmente. As mulheres não deviam ter que escolher entre uma família ou uma carreira.

 

Carl Honoré

Carl Honoré Portrait

Na pressa, nasce o vagar

Carl Honoré é canadiano, mas nasceu na verde Escócia e vive na cidade frenética de Londres. É jornalista, escritor e já escreveu vários bestsellers que lhe valeram o reconhecimento que hoje tem um pouco por todo o mundo. In Praise of Slow é uma das suas maiores obras, um livro que nos introduz o tema do qual se tornou mestre – Slow Movement.

Pode-se dizer que a vida de Carl tem – ou tinha – tudo menos sossego. Além de viajar por todo o mundo em trabalho, quando volta a casa, regressa a uma cidade que não pára. A rotina apressada fê-lo questionar o ritmo da sua vida. E foi quando começou a ler histórias de adormecer ao filho a correr – sem conseguir estar presente naquele momento -, que se deu o click para abrandar. «Contava “A Branca de Neve e os Sete Anões” à pressa: em vez de serem sete anões, eram três. Lembro-me de ter ouvido falar de um livro chamado “Histórias para adormecer em um minuto” e de pensar que era uma ótima ideia. Depois percebi que era de loucos, que estava a correr pela vida fora em vez de a viver».

Nessa altura a inquietação pela adição à velocidade – a sua e a de todos à nossa volta – levaram-no numa viagem de investigação pelo mundo. No regresso trouxe a conclusão de que a velocidade somos nós que a definimos e que se calhar não estamos a conseguir acertar o compasso. A sua missão de ajudar os outros – e a si próprio – a viver mais devagar começou aqui. Desde então tem se tornado numa espécie de “embaixador” do slow movement- as suas palestras no TED Talks contam com mais de com mais de 2.8 milhões de visualizações – e, por isso, foi um dos nossos convidados na apresentação do estudo feito pela Universidade Católica Portuguesa sobre a adopção e o impacto do slow living em Portugal – um evento que marcou o início da campanha Mais.Devagar. A mensagem de Carl continuará a ser ouvida e partilhada dentro desta campanha, pela sua experiência e, principalmente, pela sua importância.

Fotografia de capa por Madeleine Alldis

  • "As pessoas mantêm-se ocupadas para evitar as questões mais profundas."
  • "Esta ideia de que tudo tem de ser rápido é absurda e tóxica."
  • "O cérebro não pode estar três horas consecutivas a trabalhar da mesma forma."
  • "Estamos a esgotar os recursos do planeta ao consumirmos mais do que precisamos e, na maioria das vezes, compramos por impulso. Parar permite-nos resistir à chamada do "turbo-consumismo" e ter maior sensibilidade na hora de decidir o que comprar."
  • "Quem desacelera também aumenta a sua produtividade: comete menos erros no trabalho, é mais criativo, consegue ver melhor a realidade, ganha perspectiva."

Carl Honoré é a voz mundial do movimento Slow. Segundo o Financial Times, o seu primeiro livro, In Praise of Slow (2004), é “para o Movimento Slow o que Das Kapital é para o comunismo”. Falámos com ele para descobrir porque é tão importante viver devagar nestes tempos estrondosos e cheios de desafios modernos.

Já passaram 14 anos desde a sua TED Talk sobre a importância de abrandar, com cerca de 3 milhões de visualizações. Olhando para as pessoas hoje, acha que a tendência de ‘abrandar’ está a ocorrer suficientemente depressa? Gostaria que fosse mais rápido. É impressionante a rapidez com que o movimento slow está a crescer mas, ao mesmo tempo, existem enormes ameaças ao nosso bem-estar e ao bem-estar do planeta. Caminhamos para uma crise existencial onde o turbo-capitalismo e consumismo reinam acima de tudo. É por isso que acredito que temos de avançar rapidamente para uma revolução slow; abrandar vai ser fundamental para resolver a crise épica em que nos encontramos.

Que mais podemos fazer para resolver esta crise? Temos de repensar completamente aquilo que consideramos importante, aquilo que estimamos e aquilo que queremos defender. Tudo precisa urgentemente de ser reinventado, desde a democracia ao sistema económico. Uma solução slow não precisa de levar muito tempo, pode acontecer depressa se juntarmos os nossos esforços. O relógio não pára. Não há tempo a perder.

Então porque corre mal tão frequentemente? Porque tratamos os sintomas em vez de tratar as causas. Slow forward implica uma mudança de enfoque para combater as principais causas dos nossos problemas em vez de simplesmente reagir. A única forma de encontrar soluções para salvar o mundo é abrandar, ouvir e reflectir – e depois agir depressa.